Dilemas do Advogado na Gestão do Escritório
Cada escritório jurídico tem um estilo diferente baseado na personalidade de seus profissionais
“Seu negócio nada mais é do que uma nítida imagem de quem você é”
Michael E. Gerber
O líder de um escritório de advocacia deve ser ao mesmo tempo um técnico, um gerente e um empreendedor com competência nessas três áreas. Estes atributos em um profissional são imprescindíveis para gerar um escritório de sucesso. O técnico produz os conhecimentos necessários para atender às demandas de seus clientes, o gerente administra a entrega destas demandas nos prazos determinados com um padrão de qualidade adequado, e o empreendedor se incumbe de produzir inovações contínuas para prestar serviços cada vez melhores, buscando identificar e oferecer novos serviços baseados em necessidades não satisfeitas.
Nesse sentido, o dilema básico de um escritório é: como encontrar um advogado eficaz com essas três competências, ou conseguir unir dois ou mais sócios com competências complementares. Infelizmente, estas duas situações são difíceis de serem conquistadas, tendo em vista a maneira como as instituições de ensino sempre formaram seus advogados. Por isto, acreditamos ser possível e necessário desenvolver estes atributos para alcançar o sucesso na advocacia.
Para entendermos melhor a situação que encontramos na grande maioria dos escritórios que temos contato através de nossas consultorias e treinamentos, vamos analisar o dilema que ocorre no dia a dia de muitos advogados que resolvem se estabelecer por conta própria.
Imaginemos um exemplo fictício, o Dr. Juarez Alvarenga. Advogado brilhante que, aos trinta anos, cinco de formado, com uma pós-graduação, que trabalha em um escritório de médio porte. Um belo dia esse profissional, cheio de ilusões e aborrecido com algum fato corriqueiro do escritório, resolve deixar seu emprego e se estabelecer por conta própria. Diríamos que teve um “ataque de empreendedorismo agudo” para usarmos uma figura de linguagem, e “demitiu” seu patrão, ou seja, daqui prá frente ele será seu próprio chefe.
Em seus devaneios empresariais, o “herói” de nossa história chega a imaginar que o céu é o limite. Muito sucesso, dinheiro e reconhecimento profissional o esperam, pois, afinal, agora ele é o patrão e não existe mais ninguém para atrapalhar seu caminho rumo à realização profissional. A realidade, porém, será bem diferente do que ele imaginou a princípio.
Sabemos que cada advogado tem três tipos de personalidades coabitando um só corpo. Ele é, ao mesmo tempo, um técnico, um gerente e um empreendedor. Claro que estas personalidades vivem brigando entre si, disputando o comando das ações deste profissional. Cada uma delas tentará suplantar as outras duas para liderar o processo de construção do novo empreendimento. Fazendo uma generalização, diríamos que, dada a sua formação, cada advogado seria em média 80% técnico, 10% empreendedor e 10% gerente.
No momento em que o Dr. Juarez decidiu montar o próprio escritório, sua personalidade empreendedora tomou o controle da situação. Nesse instante, mesmo estando em minoria, o empreendedor, antes adormecido, acorda e começa a assumiu compromissos incompatíveis com as vontades e expectativas do “técnico” e do “gerente” que habitam neste advogado. O empreendedor assumiu o comando porque só mesmo uma coragem empreendedora seria capaz de fazer o advogado, Dr. Juarez, tomar a decisão de deixar um lugar seguro como seu antigo emprego e trabalhar por conta própria.
Todos já vivemos situação similar em nossas vidas. Duas ou mais vontades conflitantes coabitando um só corpo. Quem nunca tomou a decisão de fazer um regime alimentar, parar de fumar, começar a fazer exercícios ou realizar uma mudança qualquer, que seja necessária em nossas vidas, para, em seguida, desistir de tal intenção na primeira adversidade. Não é que as pessoas não queiram manter o compromisso inicial, acontece que temos dificuldade de cumprir esse tipo de promessa em função da impossibilidade de controlar um condicionamento há muito arraigado em nosso comportamento.
O fumante brigando com o não fumante, o gordo brigando com o magro, o organizado brigando com o desorganizado, o atleta brigando com o preguiçoso, e todos habitando um só corpo. São disputas que ocorrem diariamente na vida de milhões de pessoas. A força de vontade daquele que quer e precisa mudar contra o condicionamento e a resistência daquele que deseja manter o comportamento anterior.
Assim, dentro de cada advogado que irá se estabelecer por conta própria ocorrerá uma luta feroz entre três personalidades distintas. O técnico que deseja apenas ter paz e tranquilidade para se dedicar aos seus estudos e processos, e ao crescimento profissional. O empreendedor, com sua alma inquieta, desejando o novo. Ele quer viver uma aventura a cada dia, deseja inovar, criar, mudar, alcançar novos horizontes. E o gerente, um organizador compulsivo, que não consegue conviver com a bagunça criada pelo empreendedor nem com a omissão administrativa do técnico. Para ele só há um jeito, manter os outros dois na rédea curta.
O empreendedor odeia o gerente que quer lhe impor limites, cortar custos, coibir sua criatividade, e também desdenha do técnico, que para ele é um acomodado, vive isolado em seu “mundinho” de tarefas e estudos. O técnico deixou seu antigo emprego para se livrar do patrão e agora arranjou dois outros inimigos, que querem lhe impor regras ou provocar o caos em suas atividades. Definitivamente eles não se entendem.
Voltando ao Dr. Juarez, nosso herói junta todas as suas econômicas, conquistadas ao longo dos últimos cinco anos, aluga uma bela sala comercial, contrata uma secretária simpática, e monta uma infra-estrutura com móveis, computadores, manda fazer seu cartão de visitas e até um folder para divulgar os serviços de seu novo empreendimento. Investiu em muitas coisas, menos no essencial, um plano de negócios, tão necessário ao sucesso do empreendimento.
Agora vamos dar um salto de seis meses na trajetória deste escritório recém criado. Pra começo de conversa, os bons clientes não vieram como nosso aprendiz de empreendedor previra. No entanto apareceram alguns negócios que trouxeram bastante trabalho e pouco lucro. Aquele tipo de processo judicial que não interessou aos outros escritórios e que o Dr. Juarez, em função de sua necessidade de pagar as contas, foi obrigado a atender. Ele agora trabalha doze horas por dia e mal consegue pagar as contas do escritório. Mas ainda tem esperança de um dia ver sua situação melhorar.
Precisa fazer algo urgentemente, pois afinal agora ele tem de pagar o aluguel todo mês, condomínio, salário da secretária, e muitas outras despesas que apareceram como num “passe de mágica”. E, pior de tudo, não tem mais seu abençoado salário no final do mês, como antigamente.
Agora o Dr. Juarez está vivendo um dilema, talvez o começo de um pesadelo. Ele é um técnico, muito competente por sinal, mas o seu empreendimento exige mais do que isso, precisa ser administrado. Logo descobre que seu ímpeto empreendedor tem de dar lugar a outra personalidade sua, que estava adormecida, o gerente. Quando os primeiros sintomas do caos em seu escritório começam a ocorrer, ele perceber que precisa se organizar, controlar, cobrar e planejar. Todas essas são tarefas para um gestor. Nessa hora o Dr. Juarez libera seu lado gerente e prende o técnico e o empreendedor, que, aliás, é o responsável por toda a bagunça criada.
Mais ou menos neste período, nosso advogado começa a se questionar se a decisão de sair do antigo emprego - um lugar pacato e ordeiro - onde ele “era feliz e não sabia”, foi realmente acertada. Mas agora é tarde, e ele chama o gerente para tentar concertar as coisas. Ocorre que o gerente, que está no comando, é uma espécie de tirano compulsivo. Exige ordem, disciplina, sacrifícios e muito trabalho em tarefas que, sinceramente, nosso ilustre advogado não está disposto a realizar.
Assim, o Dr. Juarez descobre a dura realidade. Ele não é um empresário completo, não é um empreendedor, muito menos um gerente, ele é apenas um advogado competente, um simples técnico, que almeja, um dia, ser um grande advogado.
No entanto o problema persiste, seu escritório precisa mais do que um simples técnico, precisa da coragem e do espírito inovador de um empresário empreendedor, e também do espírito pragmático e organizado de um gerente eficaz. Atributos que o Dr. Juarez não possui. E ele acaba de descobrir esta dura realidade.
Antes que o prezado leitor possa tirar conclusões precipitadas e achar que não há solução para os pequenos escritórios e para os jovens advogados que desejam se estabelecer no concorrido mercado jurídico, vamos ajudar o Dr. Juarez a encontra uma solução para os seus problemas.
Pra começo de conversa, uma sociedade de advogados, assim como uma empresa, não pode começar a partir de um impulso momentâneo. Deve ser fruto de grande reflexão, de um estudo de mercado, e de um planejamento criterioso, ou seja, da elaboração de um “plano de negócio”.
Se o Dr. Juarez fosse um advogado com boa formação gerencial e uma forte aptidão empreendedora, um profissional com suas três personalidades bem equilibradas, então seria possível iniciar um negocio sozinho e, à medida que o escritório fosse crescendo, ele poderia trazer ajuda e dividir responsabilidades com outros profissionais. Como não é o caso, ele precisa iniciar seu empreendimento, por exemplo, em sociedade com dois outros advogados que tenham personalidades e aptidões complementares.
Um dos sócios pode ser o responsável pela área comercial do escritório, seria aquele que tivesse o espírito empreendedor. O outro, com perfil gerencial, poderia ficar com a responsabilidade administrativa e, claro, o Dr. Juarez seria o responsável pela área técnica. Essa divisão de responsabilidades não significa apenas uma divisão de tarefa, pois é claro que todos os advogados terão que dar sua contribuição na elaboração e acompanhamento dos processos do escritório.
Um escritório de advocacia, assim como uma empresa, precisa ser organizado em torno de funções e responsabilidades e não em torno de pessoas. Precisa ter um organograma funcional. Também é necessário saber encaixar os profissionais na estrutura da empresa, de acordo com seus talentos, competências e habilidades naturais e aprendidas.
Um advogado com vocação e conhecimento apenas na área técnica terá dificuldades de desempenhar bem as funções de um gerente comercial do escritório. Também um profissional que prefere se relacionar com os clientes e que tenha grande habilidade de comunicação interpessoal, mas com pouco jeito para serviços burocráticos, será melhor aproveitado na área comercial do escritório. É preciso ter bom senso e inteligência para saber utilizar adequadamente o potencial de cada profissional.
Tanto o fracasso como o sucesso em um empreendimento não são frutos da sorte ou do acaso, na verdade são resultados da pratica dos gestores desse empreendimento e do projeto a partir do qual ele foi elaborado.
Um escritório de sucesso precisa dessas três praticas apontadas anteriormente. É necessário ter competência jurídica e produzir serviços de excelente qualidade. Esta é a função do técnico. Precisa entregar os serviços nos prazos contratados, de forma ordeira e organizada, recebendo os honorários dos clientes e pagando os fornecedores e colaboradores, e ainda gerar lucros para proporcionar o crescimento do empreendimento. Essa é a função do gerente.
Finalmente a banca precisa de inovação empreendedora para poder competir, se diferenciar e se tornar um sistema vigoroso, atraindo e mantendo clientes numa base regular e contínua. Estas competências podem ser desenvolvidas a partir de qualificação especificas e cursos complementares.
Estes são os desafios dos jovens advogados que pretendem iniciar seus escritórios, e também das antigas bancas que se encontram estagnadas, em geral, em função dos problemas apontados anteriormente. Acreditamos que a solução deste dilema e as sugestões aqui apresentadas são um caminho seguro para aqueles que pretendem alcançar o sucesso na advocacia.
Ari Lima
Empresário, engenheiro civil, escritor, consultor e especialista em marketing jurídico e gestão de escritórios.
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